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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Notas do Subsolo - Dostoiévski - Em A Idade da Razão Jean Paul Sartre, o maior expoente do Existencialismo, inicia o romance com o sofrimento da mendicância, o sofrimento da alma, a injustiça social e a confabulação da felicidade. Tudo ao mesmo tempo, tudo ali nas primeiras páginas... Quase cem anos antes Dostoiévski escrevia Notas do Subsolo, no meio de uma crise física e psicológica monumental. Escrevia num quarto pobre, sem calefação, a mulher numa cama ao lado morrendo de tuberculose, a neve caindo e o frio implacável, a penúria e a falta de dinheiro para suprir até mesmo as necessidades básicas. Um inverno em Moscou, frio e hostil como o diabo! Nessas condições, Dostoiévski criou uma obra de arte comparável a Crime e Castigo, a Os Irmãos Karámazov e Memórias da Casa dos Mortos, buscando no seu interior, no seu subsolo o alimento para expressar o sofrimento, o desejo de liberdade, a integralidade da felicidade. Uma obra que é considerada a precursora do Existencialismo de Kierkegaard, Sartre, Camus, Simone de Beauvoir e tantos outros... Veja, como Camus em O Estrangeiro, o texto choca o leitor logo nas primeiras linhas: "Eu sou um homem doente...Sou um homem malvado. Sou um homem desagradável. Creio que tenho uma doença grave do fígado. Aliás, não compreendo absolutamente nada da minha moléstia e não sei mesmo exatamente onde está o mal." A partir de então, o narrador mergulha no mais profundo recôndito da alma humana, em busca do livre-arbítrio, da existência antes da essência, da liberdade plena. Resumindo: leia Notas do Subsolo e uma fenda será aberta no seu interior, no seu subterrâneo!!

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Houve uma época em que escolhia os livros na livraria pelos títulos. Os títulos me atraíam, confesso sem pudor: A Montanha Mágica, Conversas na Catedral, A Obra em Negro... Tempos depois, a suntuosidade, a beleza, o esmero artístico da capa ganharam lugar e assim passei a comprá-los pela capa. Algumas ostentando verdadeiras obras de arte! Mais tarde, melhor conhecedor de literatura, a escolha revelou-se mais selecionada e, consequentemente, determinada pelo conteúdo e conhecimento prévio do tema de cada livro. Mas eis que agora estou diante de minha caótica, embora exígua, biblioteca e buscando mais um Dostoiévski (este ano estou no momento sublime dos russos) e sou atraído pela sugestiva e bela capa de O Eterno Marido. Embora tenha visto ali contíguo o "Notas do Subsolo" da Martin Claret, uma bela capa sem dúvida, não foi uma Escolha de Sofia. O Eterno Marido foi escrito em um curtíssimo espaço de tempo. Menos de três meses. Dostoiévski estava em apuros financeiros, rodeado de credores e uma vida de penúria. E escreveu a toque de caixa, uma novela curta porém extraordinária, espelhando o monstro literário que ele carregava dentro de si. Embora ele próprio não expressasse grande amor, o livro foi aclamado no momento do lançamento, em folhetins, pela crítica da época. O tema principal é o adultério feminino. Ou seja, de grande atração para os leitores da época. Simplesmente porque o masculino em contrapartida era aceito normalmente tanto pela aristocracia quanto pela plebe. Fiódor Dostoiévski não expressa seu ponto de vista aqui no texto. Ele fica de fora. Pois sabemos que ele foi um seguidor e conhecedor profundo da Bíblia. E que foi o único livro que leu durante os longos anos de prisão na Sibéria. Por isso, em toda a sua obra posterior o escritor espalhou Jesus Cristo, a crença em Deus e o catolicismo por todo o seu trabalho. Mas vamos falar do Eterno Marido: Veltchaninov é um nobre solteirão que vive à caça das mulheres insatisfeitas no casamento. Via de regra é o amante ideal para essas infelizes. E ele sabe disso e se vangloria. Sobre uma delas ele diz: "É uma dessas mulheres que nasceram para ser infiéis ao marido... dessas que não caem, antes do casamento. É a lei de seu temperamento que isto aconteça depois. O marido é o primeiro amante..." Anos depois de suas aventuras amorosas, Veltchaninov recebe a estranha visita no meio da noite de seu amigo de infância Pavel Pavovlitch anunciando a morte de sua esposa Natália Vassilievna, uma de suas amantes. A partir deste encontro inusitado o enredo toma fôlego. Explode então a maestria e gigantismo do escritor ao inserir densidade e psicologismo nos diálogos travados entre o traído, humilhado e ofendido e o insolente Don Juan. E no meio do confronto a presença da filha da morta, a dúvida da paternidade, a angústia, o ódio, o desejo de vingança brotando de dentro dos dois protagonistas. (a lembrança de Dom Casmurro?) Como diz Veltchaninov: "Tudo isso é ridículo; somos, ambos, indivíduos viciosos, baixos, fingidos.." Depois de fechar a última página me ponho a pensar que talvez o ser humano não tenha mudado nada nesses anos todos...

terça-feira, 5 de novembro de 2019

     
       
     
Poderia ser reconhecido como um dos grandes escritores russos. Mas Iuri Oliécha, foi impositivamente expurgado, banido e esquecido pela "inteligentzia", pelo meio literário russos, principalmente pela sua opção ao individualismo e crítica contumaz ao coletivismo. Nesta curta novela, impregnada de fascinantes metáforas, o personagem central Kavaliérov, alter ego do escritor, um intelectual em desgraça, cheio de descrença e amargura ao mundo que o rodeia, descreve-o com desdém . E sobrecarregado de inveja deste mesmo mundo que ele tanto despreza e muitas vezes observa-o com indiferença, Kavaliérov esforça-se em " romper com tudo o que existira antes...(....), e aquela vida repelente, monstruosa, que não era dele, uma vida alheia, imposta, ficaria para trás... " Com tradução magistral e pósfácio de Boris Schnaiderman, bom que se diga, é uma novela leve, ágil, com enorme fluidez proporcionada pelo tradutor. Mas o que encanta aqui é a estilística literária, que provavelmente deixara atônitos os literatas do início do século XX. Também pudera!! Com metáforas como "O coração pula como um ovo em água fervente", é impossível não se inebriar por esta história. É só deitar no divã e abrir a primeira página. Encontrará as reminiscências de um homem que concorda com seu amigo Ivan: "Penso que a indiferença é a condição melhor da mente humana."