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sexta-feira, 5 de junho de 2015

MAL-ENTENDIDO EM MOSCOU

MAL-ENTENDIDO EM MOSCOU





Feriado. Feliz por não estar viajando. Feliz por abraçar desde a madrugada- decisão titubeante entre sair para correr ou a leitura de mais um livro - o mais recente e inédito trabalho literário de Simone de Beauvoir(1908-1986). E em êxtase, algumas horas depois, ainda nas últimas horas da manhã, o estômago ainda intato, chego ao final desta obra cuja ausência poderia ter sido uma grande lacuna no imenso trabalho literário de Beauvoir, se jamais fosse publicada por Le Bon.
      Nicole (Beauvoir) lança mão de suas reminiscências para relatar de maneira ora amistosa, ora rancorosa, sua longa convivência com André (Sartre). Um casal de professores aposentado da Sorbonne em visita a Moscou. Recepcionado por Macha (na vida real a intérprete e amante de Sartre, Lena Zonina), o casal por muitas vezes expõe, talvez incomodado pela longa viagem, as consequências funestas e inexoráveis da decadência física, do envelhecimento. Mas a narradora reconhece, num simulacro do pensamento de Macha, que "Os anos dão aos vinhos o perfume do seu buquê, aos móveis sua pátina, aos homens a experiência e a sabedoria."  E insinua que até os erros cometidos durante a vida florescem no final como um líquido viscoso no engendrar de um ato derradeiro sublime. E ela segue explicando, que, por vezes, o silêncio como reparação dos equívocos merece ser considerado: " Cada átomo de silêncio é a possibilidade de uma fruta madura."
O mal-entendido perpetrado em Moscou aprofunda-se ao avançar dos dias de viagem. O ciúme de André da relação quase incestuosa entre Nicole e Phillipe direciona para um conflito de forma inextricável. Na presença do filho, o mundo de Nicole se restringe. Ela cria uma redoma indevassável. Mas Nicole confessa: " Eram conflitos de verdade que eles resolviam de forma colérica, mas rápida e definitiva."
   Sem revelar o desfecho, já no epílogo, confesso que me lembrei e veio o impulso de reler A Cerimônia do Adeus. Fico a imaginar qual o motivo maior deste incidente, deste mal-entendido da viagem a Moscou. Talvez ela tente explicar de maneira subliminar, o emaranhado de sentimentos, de emoções, de vaidades em um só sentido do amor mais profundo: "Nenhuma mãe gosta de que o filho se case. Mas não pense que sou obcecada com isso. Eles se calaram. Não. Não podiam voltar ao silêncio..."

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